A boleira brasileira Liliam Altuntas, que tem um buffet famoso na Itália, vai abrir uma escola de culinária no Brasil para ensinar uma profissão a moradores em situação de rua.
Ela deu a informação ao SóNotíciaBoa neste fim de semana, momentos antes de embarcar do Rio de Janeiro para a Europa, após 3 meses de férias no Brasil dando palestras e cozinhando para pessoas sem-teto.
Nascida no Recife, Liliam tem uma história impressionante de abuso sexual, prostituição, drogas, fome e superação. Quando tinha 18 meses a mãe doou a menina para a avó, porque não tinha como sustentá-la. Ela foi viver no Rio de Janeiro, onde foi abusada sexualmente pelo tio durante a infância e adolescência.
Aos 14 anos Lilam engravidou do tio e fugiu de casa. Morou nas ruas, caiu no mundo da prostituição, das drogas, chegou a roubar para comprar entorpecentes e a pegar comida do lixo para não morrer de fome.
Na rua ela foi enganada por uma mulher que prometeu casa e carinho e “vendeu” a adolescente para um estrangeiro.
Liliam foi levada para Dusseldorf, na Alemanha, com mais 11 meninas, que foram obrigadas a se prostituir também.
Lá teve uma filha de um alemão, depois se casou com um turco – de quem teve outra filha – e em 2006, conheceu o marido, (foto abaixo) um italiano com quem é casada até hoje e tem dois filhos dele.
A virada
Hoje, morando com os cinco filhos na Itália, ela é uma mulher famosa.
É dona do Liliam Buffet, que começou entregando quentinhas que ela fazia – com arroz, feijão, bife acebolado e um bolo de brigadeiro – para prostitutas.
Clientes famosos das garotas de programa conheceram a comida da brasileira.
Foi o primeiro passo para que a história de superação dela aparecesse em jornais e programas de TV e Liliam se tornasse chef de celebridades italianas.
O buffet da brasileira passou a ser frequentado por apresentadores de TV, jogadores de futebol e artistas.
Ela ficou ainda mais famosa quando a cantora Lady Gaga postou uma foto comendo um bolo prestígio feito por Liliam.
“Um rapaz que dava assistência pra ela na Itália [durante um show] me ligou fora do horário comercial dizendo que uma cliente dele estava com desejo de comer bolo de chocolate. Eu fiz, mandei e nem sabia que era ela”, contou ao SóNotíciaBoa.
Hoje Liliam dá cursos fora da Itália, em Portugal, na Suíça, Espanha, Alemanha e ensina a fazer doces italianos e brasileiros.
Em 2013 ela ganhou prêmio de melhor empresaria estrangeira na Itália na categoria juvenil.
“Imagina, eu que passava fome ganhar um prêmio por vender comida? É uma coisa que até hoje quando vejo esse prêmio começo a rir comigo mesma”, comemora.
Solidariedade
A vida de Liliam mudou, mas ela não esqueceu “dos amigos da rua”, como chama.
Todo domingo, quando fecha o buffet, ela sai pelas ruas de Turim para distribuir os doces que não foram vendidos e pratos de comida que ela faz pessoas necessitadas.
Ela conta um dos cardápios oferecidos:
“Espaguete ao molho vegetal, mini-pizza de berinjela. Sobremesa bolinho de chuva de banana com pedaços de bacon crocante dentro, (invenção dela) sorvete de banana e calda de chocolate”.
“No começo servíamos uns 80. Agora com a vinda dos refugiados chegamos a distribuir 180 pratos por domingo”, contou.
Escola de culinária
Em fevereiro deste ano Liliam veio passar 3 meses de férias no Brasil.
Aqui ela deu palestras e cursos de culinária em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.
No Rio foi chef voluntária no Refettorio Gastromotiva, restaurante na Lapa que oferece refeições gratuitas para pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Ela conta toda feliz que, no total, fez trabalho social para cerca de 300 pessoas: ”cozinhei café da manhã, jantar. A gente comprava, fazia e dava para moradores de rua”.
Fantasmas
Da última vez em que esteve aqui, em 2015, Liliam reencontrou a mãe e depois de 30 anos elas se reaproximaram.
Mas esta nova visita ao Brasil foi para espantar velhos fantasmas.
A boleira contou que precisava voltar a Recife, onde viveu os piores anos de sua vida.
“Eu odiava o Brasil. Lembrava de tudo que passei aqui e ninguém me ajudou. Mas eu precisava acabar com esse fantasma. Fantasma passado de Recife, onde fui vendida. Fui nos lugares onde dormia, onde tirei uma lágrima enterrada e deixei um sorriso”, conta.
A empresária também foi até a padaria onde desejava os doces que via na vitrine e pensava, na época da adolescência sofrida, “um dia vou ter uma padaria como esta”.
“A padaria não tem mais. Tem uma casa [ lá]. Mas tem ainda a ponte e a pista onde a gente ficava [na prostituição], a arvore velha, chorei muito. Um misto de sensações.”
“Me libertando daquele rancor, outro sentimento surgiu… Chegando aqui, revi onde eu estava e onde estou. E eu vi: eu consegui! Eu queria conhecer essa tal felicidade”, disse.
A empresaria falou que agora volta melhor para a Itália.
“Foi bom ter ido lá. Volto com uma imagem bem diferente. A cabeça mais livre. Não tenho mais aquele medo, aquela vergonha das pessoas me julgarem sem saber o porquê. Agora sim me sinto vencedora”, desabafou.
Novos planos
Liliam também visitou a mãe, em Queimados, no Rio de Janeiro e disse que vai ajudá-la a se mudar para Recife, onde mora a família dela.
Ela contou que a relação entre as duas está crescendo. “Estamos nos conhecendo”.
A empresária disse que vai voltar ao Brasil em dezembro, para fazer outros trabalhos sociais e que planeja abrir uma escola de culinária aqui no ano que vem.
“Pretendo abrir no Rio ou Recife. Recife é minha cidade natal e o Rio onde renasci”.
Gratidão
As dores, enganos e injustiças da vida não tornaram Liliam uma mulher fria, amarga, nem rancorosa.
Ela disse que sempre agradece a Deus todos os dias por ter sobrevivido, escapado daquilo tudo e ter dado a volta por cima.
Hoje a meta da empresária é ajudar pessoas que passam pelo que ela passou.
Ela acredita no lema: “Quem faz o bem, recebe o bem de volta”, concluiu.
Por Rinaldo de Oliveira, da redação do SóNotíciaBoa