Amigo dá lar a mulher que viveu 40 anos internada no HC
Eliana Zagui, de 44 anos, passou 43 anos internada no Hospital das Clínicas de São Paulo e agora tem um lar de verdade, graças a um amigo que conheceu pela internet em 2002.
Lucas Negrini levou Eliana para morar na casa dele no bairro do Sumaré, em São Paulo. Hoje ela está cheia de planos e quer aproveitar a vida: viajar, dar palestras e ajudar as pessoas.
“Não tinha ninguém que me levasse para casa. Minha família não tem condição. O Lucas mudou a vida dele para conseguir me ajudar. Por incrível que pareça, ainda existem pessoas boas no mundo. Hoje em dia as pessoas não sabem ajudar o outro. Ele é um grande amigo”, contou Eliana.
Na verdade, um ajudou o outro.
Quando se conheceram, Lucas estava prestes a ser despejado de onde morava em São Paulo. Ele teve depressão e buscou ajuda em um grupo da Igreja Presbiteriana, justamente onde Eliana trabalhava como voluntária e auxiliava as pessoas por meio de chat na internet – no grupo ela aprendeu a pintar e digitar com a boca.
A empatia entre os dois foi imediata.
“Eu disse os problemas que eu tinha e deixei claro para ela que estava pensando em fazer uma besteira. Então ela começou a me falar que eu não podia fazer isso, que tinha pessoas com problemas muito piores que o meu. Quando ela me disse para ir ao hospital visitá-la e eu vi que ela estava sem se mexer naquela cama, eu vi que ela estava falando dela mesma e que eu que estava “tetraplégico nos meus pensamentos”. Ela foi o remédio para curar minha depressão”, revelou Lucas.
Já Eliana, vivia a frustração de não ter a visita dos pais constantemente, – a mãe dela morreu há cinco anos e o pai teve dificuldades para aceitar a condição da tetraplegia – além sonho de ter um lar.
Tudo isso comoveu Lucas, que também precisava da amiga para sair da depressão.
E ele teve que batalhar para conseguir dinheiro para manter a amiga em casa.
Para pagar os custos de duas enfermeiras, além dos gastos com medicações e as despesas da residência, Lucas conta com a ajuda de empresários e uma vaquinha na internet.
Do objetivo de R$ 30 mil, R$ 10 mil foram arrecadados até agora.
História
Eliana teve pólio com um ano de idade, durante um surto da doença, na década de 1970. Na época, os médicos diziam que crianças com dor de garganta não poderiam tomar vacina e ela foi vítima desse desconhecimento.
Depois da doença, ela perdeu os movimentos do pescoço para baixo e passou a respirar só com a ajuda de aparelhos.
Sem poder pagar o tratamento e todos os equipamentos, a família optou, em 1976, por deixá-la morando no Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) por tempo indeterminado.
Vida nova
No dia 22 de dezembro do ano passado Eliana deixou o HC, depois de conhecer o cabeleireiro Lucas Negrini pela internet m em 2002.
A amizade fez o jovem de 35 anos mudar todo o rumo da vida para “adotar” Eliana.
Na cama adaptada em um dos quartos da casa de Lucas, Eliana descobriu um lado novo da vida, como a relação com os cachorros, a diversão com filmes e músicas, e o contato com a natureza em passeios que faz constantemente.
“A principal diferença é poder sair. Ter a liberdade de ver a luz do sol quando eu quiser, ver a natureza, que eu gosto muito. Aqui, até o meu bom dia é diferente. Lá no hospital tinha dia que eu nem respondia bom dia. Aqui eu estou feliz, a gente sai, vai em um barzinho aqui perto, já fui em churrasco, mas o que eu adoro mesmo é a represa, me divirto”, contou Eliana.
Planos
Ela está cheia de planos com a vida nova, o principal é andar de avião para poder viajar e conhecer o Sul do Brasil e Portugal, os lugares que mais sonha em visitar.
Na área profissional, como pintora, arte que ela aprendeu enquanto estava internada, Eliana pretende vender os quadros para ganhar dinheiro.
Junto com a pintura, pretende entrar no ramo de palestras para ajudar pessoas que também perderam os movimentos do corpo por conta da poliomielite, ou adquiram outro problema de mobilidade.
Outro plano é tirar do hospital o amigo e companheiro de quarto por quatro décadas, Paulo Henrique Machado, e levar para a mesma casa em Sumaré.
Os dois foram os únicos que sobraram no HC das crianças que foram internadas com poliomielite na década de 1970. No entanto, segundo ela, ele ainda tem receio de deixar o local em definitivo.
Outra pendência é inaugurar o Instituto Eliana Zagui, idealizado por ela e Lucas para ajudar vítimas da doença.
A ideia era transformar a casa também em sede da organização, mas o local foi vetado pela Prefeitura. Com a negação, eles já conseguiram outro imóvel e estão em fase de finalização das aprovações e da captação de recursos para colocar o plano em prática.
“O meu tempo no hospital foi de grande aprendizado e grande sofrimento, acho que tenho muitas coisas a passar para as pessoas. Mas realmente falta o Paulo aqui, eu sinto muita falta dele. Cada criança que ia embora do hospital ou morria, eu chorava, só sobrou eu e o Paulo, ele é muito importante para mim”, relembrou.
E ela deixa um recado pra gente pensar…
“Se você não sonhar, o que você é? As pessoas já nascem com o não pra tudo, então não pode perder a fé e perseverar nos objetivos. Eu demorei 43 anos para realizar meus planos. O que não pode é colocar mais empecilho do que já tem. As pessoas têm uma cultura de vitimismo. Eu também tenho meus dias de vitimismo, mas isso não pode virar rotina”, alerta.
Com informações do G1
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