Um jornal que transforma pessoas em situação de rua em protagonistas de suas próprias histórias e ainda dá trabalho para elas, que vendem as edições e recebem o dinheiro. Foi isso que fizeram amigos jornalistas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Eles criaram o projeto ALICE – Agência Livre para a Informação, Cidadania e Educação – o Jornal Boca de Rua, para comunicar a verdade sobre pessoas que vivem nas ruas, a rotina delas e o que pode transformar e inspirá-las nas pequenas coisas.
“Éramos um bando de loucos, vimos que o jornalismo perdia terreno na divulgação e na documentação da informação do dia a dia do cidadão, e crescia, de uma maneira torta, para noticiar a exceção, que são os ricos, os famosos ou aqueles que cometeram algum delito. E sempre sem propor a mudança, não informa o que está acontecendo e não faz refletir a fim de combater preconceitos. Mas, não tínhamos uma proposta pronta, fomos construindo juntos e aí surgiu o Boca de Rua, nosso primeiro projeto, um jornal comunitário!”, conta Rosina Duarte, uma das idealizadoras do projeto.
“O mais incrível é ver a clareza que eles têm enquanto propósito, eles sabem que são voz e caminho para quem está em situação de rua, mas eles também têm convicção de que o jornal é uma construção coletiva e que a essência deles também é impressa ali. A coragem de fazer, de ouvir e de se misturar com quem muitas vezes não é visto, é uma das práticas mais marcantes do trabalho deles”, afirmam Iara e Eduardo, os Caçadores de Bons Exemplos.
A ideia começou em montar uma rádio comunitária, já que muitos ali não sabiam ler. Mas, o desejo deles era ter um jornal impresso e, com o tempo, a equipe foi ajustando tom de fala, modo de escrever e operacionalizando tudo da melhor forma possível para que eles tivessem sua identidade impressa nos exemplares entregues.
“Estamos em constante mutação! Isso é o mais saudável no Boca: é feito por todos, não somente com pessoas em situação de rua! É feito por mim, por eles, por todos os envolvidos, como os estudantes que trabalham lá, os voluntários. Ele foi se tecendo, ponto por ponto, como uma colchinha de retalhos. As matérias que saem em jornais tradicionais sobre os moradores de rua são completamente deturpadas. Elas não contribuem para que as pessoas cresçam; contribuem apenas para a manutenção do assistencialismo. Existe toda uma hipocrisia da sociedade em lidar com essas questões, que nós não compartilhamos. Por isso, o Boca é incrível: os mecanismos que as pessoas do grupo acham para estabelecer esses diálogos são maravilhosos”, conta empolgada Rosina.
Com o foco no conteúdo, eles produzem matérias completas com respostas para as perguntas básicas do jornalismo: o quê, quem, quando, como, onde e o por que?
A essência do jornalismo ético sempre se fez presente e isso foi uma cultura passada para quem está nas ruas e se envolve com o projeto.
“Criamos a lei do Boca, uma lei que nunca foi escrita e todo mundo sabe! Ela é muito rígida; por exemplo: se sumir uma caneta, ninguém ganha jornal! Imagina não entregar para eles os jornais para venderem no sinal?”, conclui.
O trabalho que completou 20 anos em 2020, já foi muito além dos jornais impressos. São vários micro-documentários, exposições de fotos e livros.
“A gente trabalha imaginando e lutando para que esses guris estejam palestrando em um teatro lotado de estudantes, pessoas que pagam ingressos para ouvir as histórias do jornal. Estamos fazendo diariamente uma pequena revolução”, concluiu.
Saiba mais sobre o projeto na página deles no Facebook, Instagram e Twitter.
Por Rinaldo de Oliveira, da redação do Só Notícia Boa – com Caçadores de Bons Exemplos