“Vai fazer 20 anos que eu moro no condomínio e nunca tive esta vaga para facilitar minha vida”, conta Heloísa Nishimuta, que é PcD – Pessoa Com Deficiência. Com paralisia cerebral, ela teve que lutar por uma vaga especial na garagem do condomínio onde mora, em Santo André, na Grande São Paulo.
Após abrir uma petição na internet e reunir 30 mil assinaturas, a jovem conquistou um marco na história de seu condomínio: a criação da primeira vaga para PcDs.
Helô tem 16 anos e tem de paralisia cerebral em decorrência da perda de oxigênio na hora do parto. Prematura, ela veio ao mundo aos 6 meses de gestação, pesando apenas 700 gramas. Mas ela se superou e hoje está aí firme e forte para lutar pelos seus direitos como cidadã.
Cadeira de rodas
As sequelas que carrega são consideradas por ela como “leves”, já que consegue escrever, falar, raciocinar e até mesmo andar com apoio.
Ela necessita da cadeira de rodas para circular com mais independência, porque seu tronco não é capaz de sustentá-la de pé.
Todos os anos, as vagas da garagem são sorteadas entre os moradores do condomínio de Helô. Por ser PcD, a jovem sempre teve o direito de escolher uma vaga antes da realização do sorteio.
Neste ano, porém, sua família foi surpreendida com a notícia de que o espaço que utilizavam e que atendia às necessidades da menina havia sido escolhido por outro condômino.
A mudança causou um impacto na rotina de Helô, já que ela precisa de uma vaga mais próxima a seu bloco e com espaço para o deslocamento da cadeira de rodas.
E como as necessidades das pessoas com deficiências não estão incluídas nas reuniões do condomínio, a estudante decidiu lançar uma petição para exigir seus direitos.
Apoio em massa
Aberto na plataforma Change.org, o abaixo-assinado online ultrapassou, rapidamente, a marca de 30 mil apoiadores.
“Achei incrível! Eu fiz o abaixo-assinado esperando ter só as assinaturas dos meus conhecidos, mas foi estrondoso o crescimento. Eu fiquei extremamente chocada”, conta Heloísa sobre a surpresa de ver sua causa abraçada por tantas pessoas.
Com as assinaturas coletadas, a estudante seguiu para a reunião de condomínio acompanhada de seu pai.
Na ocasião, dia 23 do mês passado, apresentou a petição ao síndico e explicou suas necessidades como PcD. Ele encaminhou a demanda aos conselheiros e, após o ato de sensibilização, a solicitação da família da jovem foi atendida.
Em seguida, foi preciso definir como a pintura seria feita e ainda conversar com o morador que havia ficado com a vaga anteriormente.
Agora, o espaço já está completamente pintado e em uso pela família da jovem Heloísa.
“Estou extremamente feliz. Esse é um direito nosso e espero muito que no futuro muitos outros cadeirantes possam morar aqui”, comemorou. “Temos que lutar para mudar esses pensamentos retrógrados”, acrescentou a estudante.
Novas reivindicações
Embora ainda jovem, Heloísa tem plena consciência de seus direitos como PcD e tem força de vontade para lutar por eles.
Após conquistar a vaga especial na garagem de seu condomínio, a estudante seguirá batalhando por mais adaptações que tornem o ambiente acessível às pessoas com deficiência.
Entre as novas reivindicações que a jovem já apresentou ao condomínio estão: a instalação de elevadores para acesso à piscina e à academia; autorização para a entrada de carros de aplicativo em seu nome; e participação no conselho de obras.
O abaixo-assinado criado por Heloísa permanecerá aberto até que todas as obras estejam completas.
A estudante acredita que a obtenção da vaga especial representa uma conquista. “Conseguimos algo bom para mudar e melhorar o pensamento e as atividades das pessoas em relação a nós deficientes”, afirma.
Apesar disso, ela lamenta o fato de, na sociedade, ainda ser necessário lutar por coisas que são direitos e que sequer deveriam ser questionadas.
“Deveríamos pedir o que é de direito e simplesmente ter o que é nosso direito, mas como isso não acontece, infelizmente precisamos argumentar, brigar e falar porque a sociedade retrógrada que temos é assim”, indigna-se a jovem estudante, que sonha, um dia, em comprar uma moto eletrônica com adaptações para pessoas com deficiências físicas.
O que diz a lei?
Heloísa conta que o condomínio onde mora é antigo e não tem estrutura e espaço para a criação de novas vagas. Mas o que diz a legislação em situações como essa?
Apesar de não haver uma lei nacional que especifique o percentual de vagas que devem ser destinadas a pessoas com deficiência ou idosos nos condomínios privados, os municípios possuem leis orgânicas próprias que definem diferentes normativas.
Além disso, existe desde 2015 o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Em vigor em todo o país, o Estatuto determina que a acessibilidade e a inclusão são um direito e, por isso, devem ser facilitadas e não limitadas ou impedidas em quaisquer espaços.
Não raro, casos como o de Heloísa vão parar na Justiça e saem de lá com decisão favorável aos princípios da dignidade humana, ou seja, em favor da pessoa com deficiência, independente do que tenha sido previsto anteriormente nas assembleias dos condomínios.
Reportagem produzida em parceria com a Change.br