Madrasta. Se você fizer uma busca no Google, ou no dicionário Michaelis, vai encontrar definições estereotipadas e preconceituosas para as mulheres que se dedicam a cuidar dos filhos de seus maridos, ou companheiros, os enteados.
Nos dicionários, o termo “madrasta” está associado a significados negativos como “mulher má” e “aquilo de que provêm vexames e dissabores”.
A notícia boa é que essas definições estão com os dias contados! Uma campanha lançada pela educadora parental Mariana Carmadelli, madrasta de dois adolescentes, 14 e 18 anos, está pedindo à plataforma de buscas e à Melhoramentos (editora do dicionário Michaelis) que acabem com essa linguagem figurada. E ambos responderam de forma positiva! (veja abaixo)
“Não é a maioria das madrastas que é má, não é a maioria das madrastas que não dá amor, nem afeto, nem cuidado. Então, se a gente assume que o dicionário precisa refletir a nossa sociedade, a gente precisa atualizar isso. A gente não está mais numa época em que a madrasta é essa figura”, comenta Mariana, que é especialista em Inteligência Emocional.
Para que a campanha “Madrasta não é palavrão!” ganhasse visibilidade, engajasse a sociedade e chegasse às editoras, Mariana decidiu criar um abaixo-assinado na plataforma Change.org. (veja abaixo como participar)
Grupo de madrastas
Mariana lidera uma comunidade voltada ao acolhimento de mulheres que se tornaram madrastas. O grupo une cerca de 40 mil madrastas que lutam, diariamente, pelo fim do estereótipo e do preconceito.
Uma dessas batalhas é reinventar a narrativa arcaica – do século retrasado – que ainda é associada ao significado do papel social que elas desempenham.
Ela já havia tentado essa ação de sensibilização sozinha e incentivado outras madrastas a denunciar, porém, nunca havia obtido nenhum resultado ou resposta.
A petição está aberta e se aproxima de 6 mil assinaturas. Isso tem ajudado a educadora a impulsionar a causa e alcançar maior proporção. Veja neste link.
O retorno
Depois que milhares de pessoas se engajaram na causa, o próximo passo da campanha foi chegar diretamente às editoras. Este processo foi conduzido pela equipe da plataforma de petições.
Os especialistas em ativismo digital da Change.org procuraram os tomadores de decisão, apresentaram a demanda da Mariana e as respostas chegaram.
Definição de “madrasta” será revisada
O Google, que licencia conteúdos da Oxford Languages, informou que, apesar de não ter controle editorial sobre as definições fornecidas pelo parceiro, reconhece a preocupação de seus usuários e prometeu transmitir a demanda aos responsáveis pelo conteúdo.
A empresa informou, ainda, que a definição de “madrasta” será revisada pelo time da Oxford Languages.
A Oxford Languages confirmou que, no caso do termo “madastra”, está trabalhando com os colegas do Google para fazer algumas alterações na maneira como a definição é exibida nos resultados da busca, para tornar o contexto e o uso da palavra mais claros.
Por fim, a Editora Melhoramentos esclareceu que está consultando uma equipe de lexicógrafas (autoras de dicionários) para uma revisão no verbete.
O trabalho, segundo a editora, exige tempo e uma pesquisa acurada, mas a Melhoramentos disse que terá a definição de “madrasta” atualizada de acordo com o uso corrente na língua tão logo seja possível.
Madrastas apoiam!
Mariana comenta que, desde o primeiro momento em que lançou a mobilização, tem recebido relatos muito positivos de outras madrastas. Ela conta que as mulheres, que agora assumem seus papéis na nova família, antes tinham vergonha, medo do que as pessoas poderiam falar e, por causa do estereótipo, até evitavam se apresentar como madrastas.
“Quando uma madrasta vem e me fala assim ‘assumi o meu papel de madrasta’, não tem nenhum problema nisso. Isso é bonito, isso é bom para a criança, é bom para o pai, é bom para todo mundo que está envolvido naquele sistema”, ressalta a educadora. “Que cada um ocupe o seu melhor lugar. A madrasta não é a mãe, ela é a madrasta, ponto. E ela vai ter o papel dela, a relação dela e o vínculo dela a partir do papel que ela ocupa”, completa.
Na própria página do abaixo-assinado criado por Mariana, é possível acompanhar diversos relatos de mulheres que também são madrastas e sentem a mesma necessidade de acabar com as associações negativas ainda dadas ao termo pelos quais são chamadas.
Madastra não é má!
Nos comentários postados no site, uma das mulheres diz que é madrasta, mas que não é má e não admite mais esse tipo de julgamento.
Outra signatária ponderou que “para quem ama como uma mãe”, essas definições negativas não são justas.
E uma terceira desabafou: “Absurda essa colocação no dicionário!!! Só nós sabemos o que é cuidar e amar um filho que não é nosso, muitas vezes até mais do que a mãe biológica (no meu caso). #MudaOxford”.
Mariana é madrasta há oito anos e também tem dois filhos – um bebê de 9 meses e uma menina de 5 anos.
Autora de dois livros sobre o tema da madrastidade, ela pondera sobre os papéis sociais, casamentos, divórcios, recasamentos e as famílias modernas.
“Nos casamentos, não existe mais ‘até que a morte os separe’. Pode ser ‘até que o divórcio os separe’, então, pode ter um recasamento. E esse lugar da madrasta sai de ser um lugar de uma mulher que vem, de fato, roubar ou ocupar o lugar daquela mãe e muitas vezes tem conflito, para um lugar de famílias modernas e compostas de várias pessoas, vários guardiões, se puder falar assim, e não só do pai e da mãe”, explana a educadora parental.
Padrasto não tem a mesma definição
Outro ponto levantado na campanha é o machismo presente nas atuais definições. A especialista em Inteligência Emocional aponta que, diferentemente do que acontece com o termo “madrasta”, os dicionários não apresentam significados pejorativos para “padrasto”.
No caso de “padrasto”, as definições são todas neutras, como “homem em relação aos filhos anteriores da mulher com quem passa a constituir sociedade conjugal”.
Situação parecida foi levantada pela cantora Anitta em 2020. A artista gravou um vídeo mostrando a diferença entre os significados apresentados para “patrão” e “patroa”. Enquanto o primeiro era definido como “proprietário”, “chefe”, “dono” e “aquele que comanda”, o segundo era “mulher do patrão”, “mulher que é responsável pela administração da casa; dona de casa”.
Na ocasião, o vídeo da cantora viralizou nas redes sociais e um abaixo-assinado também foi aberto, por um usuário da plataforma Change.org, solicitando a mudança do significado às editoras. A Melhoramentos respondeu a reivindicação e revisou o termo.
A alteração no verbete “patroa” também foi modificado no Google, que passou a apresentar as mesmas definições de “patrão”, só que no feminino.
A expectativa agora é que as editoras cumpram logo a promessa de revisão e que a campanha “Madrasta não é palavrão!” também tenha seu final feliz oficializado em breve.
As madrastas anseiam por isso!
Texto em parceria com a Change.orgBrasil