“Ninguém solta a mão de ninguém”. Essa frase representa parte do que têm sido os últimos dois anos na vida de Mirtes Souza, mãe do menino Miguel, morto ao cair do 9º andar de um prédio, em Recife. Hoje ela transformou a dor em amor ao próximo e está cursando Direito para ajudar outras pessoas.
Ao passo em que o caso se tornou símbolo do racismo estrutural na sociedade brasileira, Mirtes surgiu como ícone de luta. O apoio que recebeu e que começou a oferecer a outras vítimas de injustiça compõe o pano de fundo dessa história de resistência.
“Depois que perdi meu filho, mudei muito, mudei muito mesmo. E toda essa minha luta é por amor a ele, para que se faça justiça. Hoje venho sentindo na pele a questão do racismo institucional e do racismo estrutural. Já passava por isso, mas não tinha o conhecimento, e hoje eu tenho e não abaixo a cabeça para nada disso. Não só para o racismo, mas para a questão de classe social, que vem contando muito também no caso Miguel”, desabafou Mirtes.
Após a morte do filho, ela foi abraçada por movimentos sociais que prestaram apoio humano e jurídico à sua luta por justiça. Campanhas surgiram na internet, reforçadas pelo engajamento de celebridades que intensificaram o apelo, como a jornalista e apresentadora Astrid Fontenelle, a atriz Samantha Schmütz e o ator Lázaro Ramos. Uma petição, de coautoria de Mirtes, ainda aberta na Change.org, chegou perto dos 3 milhões de assinaturas.
A força do apoio
Mirtes conta que todo o apoio que recebeu até agora foi e tem sido fundamental para que ela erguesse sua voz e seguisse resistindo.
“Essas quase 3 milhões de assinaturas para mim são um combustível para continuar lutando e também é a prova de que eu não estou sozinha nessa luta. Hoje, Miguel não é só mais filho de Mirtes, Miguel é filho do Brasil e do mundo. São pessoas que abraçaram a causa e que estão lutando junto comigo para que haja justiça”.
A mãe de Miguel fala como se transformou nesses dois anos, criando uma nova percepção sobre o racismo estrutural e institucional e a necessidade de combatê-lo.
Curso de Direito
Ao sentir na pele como a justiça brasileira pode ser lenta e desigual, deseja ser uma sementinha que muda o sistema por dentro: quer ser advogada não só para entender e ajudar no processo de seu filho, mas também para, em um futuro breve, atuar em casos semelhantes por justiça.
“Lá na frente, [espero] poder ajudar outras mães a não passar pelo que eu venho passando hoje com esse Judiciário racista, classista e sexista. Estou finalizando o terceiro período e graças a Deus está dando tudo certo”, comenta Mirtes sobre os estudos.
Empoderada
Empoderada e consciente de seus direitos, hoje, Mirtes estende a outras pessoas o mesmo apoio que vem recebendo. Ela faz parte de três organizações antirracistas e feministas em Recife – a Articulação Negra de Pernambuco (ANEPE), a AfroResistance e o Grupo Curumim, nas quais ajuda principalmente a população negra de mulheres e adolescentes.
“Com o Grupo Curumim, eu faço parte da equipe Cunhatã, que desenvolve um trabalho com as adolescentes, dando formação política, artivismo e empoderando essas meninas a lidarem com essas nossas problemáticas do dia a dia. E com a AfroResistance, a gente trabalha mais com a questão de Direitos Humanos, migração, justiça de linguagem”, explica.
Samuelzinho
Uma das histórias que Mirtes acolheu, recentemente, junto com a ANEPE, é a dos pais de Samuelzinho.
Em novembro de 2021, o bebê de 1 ano e 8 meses morreu por negligência médica em um hospital em Olinda (PE).
Solidária, a mãe de Miguel vem ajudando os familiares de Samuel a denunciarem o racismo institucional presente no caso e a buscar por justiça.
“Eu me envolvi na luta contra o racismo a partir do momento que eu perdi meu filho”, fala Mirtes. “Por isso que hoje eu luto contra o racismo, e principalmente por outras mães que infelizmente passam por isso também e não conseguem enfrentar tudo isso como eu venho enfrentando. Mas já que elas não conseguem enfrentar, eu enfrento por elas”, completa.
Assim como a sociedade recorreu a uma forte mobilização na internet pelo caso Miguel, Mirtes espera que o mesmo aconteça por Samuelzinho. Os pais do bebê também lançaram uma petição, que já reúne mais de 20 mil assinaturas, cobrando justiça.
A luta continua
Na data em que o caso Miguel completou dois anos, a mobilização de Mirtes ganhou corpo em um ato na Ponte da Boa Vista, em Recife.
Organizações, Mirtes, amigos e familiares levantaram cartazes para protestar. Uma faixa de 40 metros, com a frase “Queremos Justiça Por Miguel”, foi estendida na ponte. A ação foi proporcionada pela Change.org e a ANEPE.
Mirtes precisou da Justiça, mas, dois anos depois, ainda não recebeu dela o que espera: ver a culpada pela morte de seu menino cumprindo pena máxima atrás das grades.
No dia 31 de maio, antevéspera do segundo ano do falecimento de Miguel, saiu a sentença judicial contra Sari Corte-Real, a ex-patroa de Mirtes, com quem Miguel estava sob cuidados. A mulher foi condenada a 8 anos e 6 meses de prisão por abandono de incapaz com resultado morte.
Mirtes reconhece a sentença como parte da vitória, mas diz que só estará satisfeita quando sua ex-patroa estiver presa e cumprindo pena de 12 anos.
Por isso, seus advogados entraram com recurso. Sari está recorrendo em liberdade, benefício que, muitas vezes, não é concedido a pessoas em outros contextos, como negras e de classes sociais mais baixas.
Apesar de ter conseguido transformar parte do luto em luta e de ter se empoderado, a mãe de Miguel carregará para sempre a dor da perda do filho. Para amenizar um pouco dessa dor, ela segue incansável na batalha por justiça.
Coautora da petição aberta na plataforma Change.org, Mirtes pede apoio para alcançar a simbólica marca de 3 milhões de assinaturas.
A intenção da mãe de Miguel é usar o abaixo-assinado como um “apelo social” dentro do processo, juntando-o ao recurso para que a pena de Sari seja aumentada.
Neste momento, a petição contabiliza 2,8 milhões de assinaturas, faltando pouco mais de 164 mil para a meta. Para reforçar a mobilização de Mirtes, acesse o link: http://change.org/JusticaPorMiguel
Matéria produzida em parceria com a Change.org