“Os povos indígenas foram incompreendidos e excluídos da sociedade. Alguns consideraram inferiores os seus valores, sua cultura e suas tradições”. A crítica, em tom de desculpas, foi feita esta semana pelo Papa Francisco, durante viagem ao México.
E o que o governo mexicano mais temia aconteceu: o papa Francisco, cuja liderança mundial transcende o religioso, chegou na segunda-feira à floresta de Chiapas e fez um duro pronunciamento contra “a dor, o abuso e a desigualdade” sofridos pelos povos indígenas, que no México somam 11 milhões de pessoas de um total de 50 milhões em toda a América Latina – no Brasil, são quase um milhão.
O papa pediu perdão aos indígenas e encorajou os governantes a fazê-lo também por os terem “excluído, menosprezado e expulsado de suas terras”.
A viagem de Francisco pelos novos e velhos problemas do México sobe alguns decibéis a cada dia.
E sua presença no Estado de Chiapas, onde um terço dos quatro milhões de habitantes sofre de pobreza extrema e altas taxas de analfabetismo, coloca o Governo diante de uma das grandes pendências do país: a praticamente inexistente integração dos índios na vida cultural, social e política do país.
Assumindo a culpa
Além disso, o papa o fez sem meias palavras, incluindo também o Vaticano e a hierarquia mexicana da Igreja Católica entre aqueles que se equivocaram em sua relação com Chiapas e seus habitantes.
A visita ao túmulo do bispo indigenista Samuel Ruiz (1924-2011), próximo da teologia da libertação e que foi perseguido pelo Governo e o Vaticano, tornou-se o maior símbolo da mudança de posição.
O outro gesto foi autorizar novamente a ordenação de diáconos permanentes indígenas e a utilização de suas línguas na liturgia, algo que já fazia o bispo Ruiz, razão pela qual recebeu fortes críticas da Igreja oficial.
Mas o momento-chave da presença do Papa em Chiapas aconteceu em San Cristóbal de las Casas, durante a missa celebrada em espanhol e nas línguas indígenas.
Depois de reconhecer como legítimo o desejo dos povos indígenas de viver em liberdade — “numa terra prometida onde a opressão, o abuso e a degradação não sejam moeda corrente” —, o Papa fez um pronunciamento que, por sua relevância merece ser integralmente reproduzido:
“Muitas vezes, de modo sistemático e estrutural, os povos indígenas foram incompreendidos e excluídos da sociedade. Alguns consideraram inferiores os seus valores, sua cultura e suas tradições. Outros, aturdidos pelo poder, pelo dinheiro e pelas leis de mercado, os despojaram de suas terras ou realizaram ações que as contaminaram. Que tristeza! Que bem faria a todos nós se fizéssemos um exame de consciência e aprendêssemos a dizer: perdão! O mundo de hoje, despojado pela cultura do descarte, precisa disso”.
Aprender com os índios
Francisco relacionou a proteção dos imigrantes com o cuidado com a natureza, tema central da sua encíclica Laudato sì.
Disse que “o mundo de hoje” tem muito a aprender com a relação “harmoniosa” dos indígenas com a natureza e, novamente, encorajou os governantes a seguir o exemplo de uma cultura que ainda educa seus jovens “com a sabedoria dos mais velhos”.
Depois das palavras do papa, o bispo de San Cristóbal de las Casas, Felipe Arizmendi, leu uma mensagem comovente assinada pelas comunidades indígenas:
“Embora muitas pessoas nos desprezem, você quis nos visitar e nos levou em consideração. Leve-nos no seu coração com nossa cultura, com as injustiças que sofremos, com a dor de nossos doentes. Obrigado por ter aprovado o uso das nossas línguas na liturgia. Queremos falar com Deus na nossa língua”.
Com informações do ElPais