O poder da educação para transformar vidas! O ex-detento Erivelto Melchiades passou dois anos preso e usou aqueles dias de revolta e sofrimento para estudar e se formar em Direito. Ele estabeleceu uma meta: ajudar pessoas que passam pelo que ele passou e foram “injustiçadas” como ele.
Assim que se formou, Erivelto passou a atuar junto a movimentos sociais. Ele integra uma frente contra o encarceramento em massa e é diretor da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas.
Ele conta que já foi convidado para estar no CNJ – Conselho Nacional de Justiça – para participar de um projeto com egressos do sistema penal, mas o sonho é criar uma associação para amparar pessoas encarceradas, com cursos, palestras e outros suportes.
A história
Erivelto tinha 19 anos e era guardador de carro nas ruas do Rio de Janeiro quando foi preso pela primeira vez, por porte ilegal de arma.
“Foi o momento em que eu caí na cadeia sem saber o que era, de fato, o sistema prisional. A cela tinha capacidade para 17 pessoas e tinham 122 lá. Eu fiquei 21 dias desesperado, sem poder me locomover diante da lotação, além da comida péssima e condições insalubres”, disse ao BHAZ.
Na primeira audiência, ele recebeu liberdade provisória por estudar e ter bom comportamento. Foi então trabalhar como auxiliar de serviços gerais, em uma escola da comunidade, e retomou os estudos.
A injustiça
Mas em 2010, cinco anos depois da primeira prisão, ele recebeu um telefonema para que fosse prestar esclarecimentos em uma delegacia e acabou preso novamente.
“Me informaram que existia um processo contra mim. A primeira informação era de que eu era procurado. Depois mudaram a tipificação para tentativa de roubo, mas não existia materialidade”, conta.
“Uma pessoa cansada de assaltos na região de Ipanema fez a denúncia e teria ido à delegacia na mesma data em que ocorreu o porte ilegal de arma, em 2005. Eu não assaltei ninguém, mas disseram ter me reconhecido na delegacia. […] Mesmo com tantas dúvidas, eu apresentando atestado de trabalho, minha família, fui condenado”, disse.
“Foi um momento de desespero total, eu não conseguia imaginar que eu estava ali cumprindo pena por algo que não fiz. Eu fiquei umas duas semanas sem comer, chorando, não parava de chorar”, contou.
Complexo de Bangu
A pena atribuída a Erivelto começou com sete anos em regime fechado, mas, por bom comportamento, ele ficou dois anos e dois meses no Complexo de Bangu.
Lá ele conta que conheceu como é a vida de um presidiário.
“São diversas as violações do Estado, desde ligarem a água uma vez ao dia apenas, a mesma água para beber e tomar banho. Deixavam presos ‘torrando’ no sol, muitas pessoas algemadas juntas em uma mesma viatura, diziam ser igual coração de mãe, que sempre cabia mais um. Tudo sempre no deboche. As necessidades eram feitas em um buraco no chão”, contou.
“Na cadeia mais se aprende coisas ruins do que coisas boas, a chamada mente criminosa. Tem pessoas ali que, de fato, não mereciam estar. Não existe uma divisão, estão juntas pessoas que cometiam pequenos furtos a grandes traficantes. Se eu permanecesse naquele caminho, eu sabia que a minha vida seria prisão ou até mesmo a morte”.
Estudar
Nascido e criado no Morro do Cantagalo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o homem de 36 anos se recusou a carregar o estereótipo de bandido. Ele decidiu estudar para se formar em Direito e começar a escrever um novo capítulo da própria história.
Erivelto explica que sentia uma “revolta apaixonante” ao ler um livro sobre leis, ainda na penitenciária.
“Eu não tinha segundo grau completo, comecei a estudar e terminei. Em 2013 fiz vestibular e fui aprovado. Não tive dúvida, era a faculdade que eu queria cursar. Me formei em 2019, passei na primeira fase da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], mas, com a pandemia, vou fazer a segunda fase no próximo exame”, conta.
“Se a gente não lutar, a vitória não vem. É muito difícil, minha educação foi bem básica e, ao chegar na faculdade de direito, tive que me adaptar ao novo mundo e me dedicar para ficar bem qualificado. O direito surgiu dentro de mim muito por conta do que ocorreu comigo. É uma revolta apaixonante, eu não me imagino hoje em outro curso”, explica.
Respeito
“Antes, eu era muito tímido, entrava nos locais desconfiado, era introvertido, e isso foi mudando com o tempo, essa revolta escondia uma nova pessoa dentro de mim, com coragem, que luta, que desembola”, conta.
[Hoje]“As pessoas me respeitam muito, me admiram e dão apoio para eu continuar, inclusive pessoas de outras localidades. A responsabilidade de você ser uma referência é grande, então estou trabalhando muito, estudando muito, ouvindo para conseguir ajudar muito mais”, diz.
Figura popular entre moradores da favela Cantagalo, Erivelto tem alcançado ainda mais pessoas depois de contar parte da vida – das prisões ao curso de direito -, em uma postagem no Facebook.
Questionado sobre buscar reparação do Estado, ele diz que por enquanto não pensa nisso.
Com informações do BHAZ