Quem vê a brasileira Jéssica Moreira Batista hoje, próspera, feliz e defendendo mestrado na Espanha, não imagina como foi a vida da menina que nasceu na Zona da Mata de Pernambuco.
Mais que isso: agora ela quer usar o que aprendeu lá fora para ajudar a comunidade carente onde nasceu e cresceu. E já tem três projetos para jovens e adultos.
Filha de mãe vendedora ambulante e pai aposentado, a jovem de 28 anos, nasceu em Vitória de Santo Antão, a 50km de Recife.
A mãe, dona Jandira florentino “foi criada em casa de taipa com 16 irmãos”. O pai, José Ivan “viveu em casa de tábua”. Eles se mudaram para a zona urbana depois de adultos, contou Jéssica em entrevista ao SóNotíciaBoa, direto da Espanha.
Quando Jéssica nasceu, dona Jandira vendia roupas numa banca de madeira com lonas no meio da rua e o pai sobrevivia com o salário mínimo da aposentadoria.
Os estudos
A menina cresceu estudando em escola pública e desde os 11 meses, ainda bebê, ia com a mãe para a barraca, por não ter com quem ficar.
O material escolar, calçados e uniforme eram comprados com ajuda de amigos e familiares.
Dedicada e estudiosa, aos 10 anos Jéssica pediu à mãe para estudar no melhor colégio público da cidade à tarde e pela manhã assistia ao Telecurso 2000 na TV, para aprender mais.
Em 2005 conseguiu bolsa para estudar magistério em um colégio particular.
No final do magistério, ao aplicar um projeto de intervenção em uma escola ela percebeu que muitos dos alunos da 3a série, crianças com idades entre 8 e 12 anos, não sabiam ler.
“A barreira para aprender a ler era um problema estrutural na educação da escola, do município, não apenas dos alunos. O que me chocou bastante”, disse.
A virada
Em 2012 ela passou em Engenharia de Biotecnologia e Bioprocessos da UFCG, na cidade de Sumé, na Paraíba, fez a graduação e teve que mudar para a cidade, que fica a quase 7 horas de distância na estrada.
Jéssica teve que aprender a viver com 400 reais por mês.
“Meu pai me ajudava com 200 reais e minha mãe com mais 200 reais, 400 reais era o meu orçamento mensal – dividia apartamento com mais 4 pessoas, em um apartamento de 1 quarto”, lembra.
Para ajudar, ela conseguiu mais 400 reais um ano depois, em bolsas de monitorias da faculdade. “Foram fundamentais na minha manutenção”.
Estudar fora
Em 2018, já graduada, ela voltou para a casa dos pais e só conseguiu o primeiro emprego um ano depois, após de participar de um programa para jovens de baixa renda. O salário? R$: 1.385,40.
No mesmo período ela se casou e se inscreveu para a Bolsa da Fundación Carolina.
“Não tinha muitas esperanças, mas como não iria perder nada, apliquei”, disse.
A Fundación Carolina seleciona pessoas Ibero-americanas, que apresentem desempenho de excelência. Eram duas bolsas para mestrado e doutorado. “E uma delas foi a minha!”, comemorou a brasileira.
“A bolsa incluía passagens de ida e volta, 750 € para as despesas e seguro médico”, contou.
Então ela se mudou para a Espanha e o marido foi logo em seguida. Em 2019 Jéssica começou o mestrado em Biofísica e defendeu a tese na semana passada.
Brasil
E a brasileira já tem pelo menos três projetos para ajudar os moradores da cidade onde ela nasceu, em Pernambuco.
“Estou com planos voltados para a educação básica, como um centro de reforço escolar na cidade onde nasci. Outro projeto é voltado para a bioeconomia, utilizando resíduos industriais para agregar valor ao produto. Já escrevi dois, o primeiro usa cascas de coco para serem utilizadas na adubação do solo agrícola, através de compostagem. O outro é a utilização de farelo de trigo, ou de milho, para a produção invertase, (insumo de valor) açúcar industrial, que poderia ser produzido pela comunidade local e vendida para as fábricas de alimentos da região”, contou.
Como tem propostas de trabalho na Europa, Jéssica não sabe quando voltará ao Brasil, mas espera que a história de superação dela inspire outras pessoas por aqui.
“Eu gostaria que mais Jéssicas tivessem mais oportunidades. Que as crianças do meu bairro tomassem isso como exemplo, para que não deixem de sonhar e tentar. Que elas não percam as esperanças. Que percebam que cada micro passo dado em direção ao sonho, pode, um dia, te levar a ele”.
“Eu quero ser semente e poder contribuir com a sociedade”, concluiu.
Por Rinaldo de Oliveira, da redação do SóNotíciaBoa